• Procuradores da Lava Jato usaram vazamentos à imprensa para manipular suspeitos, apontam mensagens

    Foto: Marcelo Camargo | Agência Brasil Foto: Marcelo Camargo | Agência Brasil
    Por Juliana Almirante

    29/08/2019 - 08:54


    BRASIL

    Chats do aplicativo Telegram foram divulgados em mais uma reportagem da série "Vaza Jato", publicada hoje (29) pelo The Intercept Brasil

    Procuradores da força-tarefa da Operação Lava Jato teriam usado vazamentos à imprensa com o intuito de manipular suspeitos, fazendo-os acreditar que sua denúncia era inevitável, ainda quando não fosse. O objetivo seria intimidar seus alvos para que eles fizessem delações. É o que apontam chats do aplicativo Telegram divulgados em mais uma reportagem da série "Vaza Jato", publicada hoje (29) pelo The Intercept Brasil (confira a íntegra). Esse tipo de vazamento revela que o coordenador da Lava Jato, Deltan Dallagnol, teria mentido ao negar, em entrevista à BBC em 2017, que integrantes da força-tarefa teriam vazado informações. A reportagem de hoje do The Intercept Brasil mostra Dallagnol participou de grupos nos quais os vazamentos foram planejados, discutidos e realizados. Em um deles, o próprio coordenador efetuou o tipo exato de vazamento que ele descartou a possibilidade de identificar. Em 21 de junho de 2015, o procurador da Lava Jato Orlando Martello enviou a seguinte pergunta ao colega Carlos Fernando Santos Lima, no grupo FT MPF Curitiba 2, que reúne membros da força-tarefa: “qual foi a estratégia de revelar os próximos passos na Eletrobrás etc?”. Santos Lima disse não saber do que Martello falava, mas afirmou: “meus vazamentos objetivam sempre fazer com que pensem que as investigações são inevitáveis e incentivar a colaboração.” Conforme a lei das organizações criminosas - que estipulou regras para as delações premiadas-, o acordo só pode ser aceito caso a pessoa tenha colaborado “efetiva e voluntariamente”. No entanto, o procurador afirma aos colegas que usava a imprensa para forjar um ambiente hostil e, com isso, conseguir delações por meio de manipulação. A conversa ocorreu dois dias depois da 14ª fase da Lava Jato, que era voltada às empreiteiras Odebrecht e Andrade Gutierrez. Os procuradores debateram estratégias para conseguir um acordo de delação com Bernardo Freiburghaus, apontado como operador de propinas da Odebrecht. Freiburghaus acabou escapando da operação, porque havia se mudado para a Suíça em 2014 e já havia contra ele uma ordem de prisão preventiva com alerta da Interpol. No chat, Santos Lima diz que vazava informações para a imprensa. Além disso, o seu próprio comentário, ele insinua que se tratava de uma prática habitual e se refere aos vazamentos no plural: "meus vazamentos”. O comentário do procurador não suscitou qualquer manifestação dos outros integrantes da Lava Jato. No decorrer das conversas, os demais membros do grupo permaneceram calados. No mesmo dia, Deltan e Orlando anunciaram no chat terem vazado a informação de que os Estados Unidos iriam ajudar a investigar Bernardo para repórteres do Estadão, a fim de pressionar o investigado. Eles antecipavam a um jornalista uma movimentação da investigação. Dallagnol foi o responsável pelo vazamento, como mostra sua conversa como o repórter do jornal revelada na reportagem. Ainda na conversa, o repórter avisa que a matéria sobre a ajuda dos americanos no caso Odebrecht, ainda não  formalizada, seria manchete do Estadão no dia seguinte. A assessoria de imprensa da Lava Jato descartou que os procuradores tenham vazado informações no caso do Estadão, alegando que a força-tarefa “jamais vazou informações sigilosas para a imprensa, ao contrário do que sugere o questionamento recebido”. A força-tarefa ainda argumenta que uma informação passada à imprensa deve ser ilegal ou violar uma ordem judicial para ser caracterizada como “vazamento”. Assim, argumenta que o material enviado por Dallagnol ao Estadão não violou, na sua visão, nem a lei nem ordem judicial, e que por isso não pode ser considerado vazamento. Ainda conforme a reportagem de hoje, os vazamentos dos procuradores não seriam casos isolados. Em 2016, integrantes da força-tarefa da Lava Jato falavam abertamente sobre o uso de “vazamento seletivo” para mídia com a intenção de influenciar e manipular um suposto pedido de liberdade para o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, de acordo com as mensagens obtidas pelo The Intercept.

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