• Observatório de Caetité pede socorro – mas a quem?

    Foto: Willian Silva | Sudoeste Bahia Foto: Willian Silva | Sudoeste Bahia
    Por Willian Silva

    30/01/2019 - 18:00


    CAETITÉ

    Causado pela burocracia dos órgãos de defesa do patrimônio imóvel, o ‘jogo de empurra’ vai provocando a destruição de um dos símbolos de Caetité

    Dom Pedro II, último monarca brasileiro, gostava de trazer inovações estrangeiras para o então Brasil Império. O imperador apreciava artes, cultura e tecnologia. Por iniciativa própria, trouxe para o Brasil o telégrafo sem fio, criado por Samuel Morse, e o telefone, recém-inventado por Alexander Graham Bell – que, por incrível que pareça, tornou-se amigo de Dom Pedro II quando este esteve em Paris e conheceu o invento e seu inventor, numa feira na capital francesa. Mas a paixão de Dom Pedro II era a Astronomia. O imperador chegou a doar equipamentos de seu acervo particular para o Observatório Nacional do Rio de Janeiro. A partir desse gosto por essa ciência, o monarca idealizou uma rede de medição meteorológica em todo o país, para que fosse possível acompanhar as mudanças climáticas brasileiras. Só que a ideia do imperador brasileiro só veio a ser posta em prática no período republicano. E a cidade de Caetité, a 640km de Salvador, foi considerada o lugar ideal para receber um dos pontos dessa rede de medições. A historiadora Vanessa Aguiar à reportagem sobre o surgimento do Observatório de Caetité. “O Observatório Meteorológico de Caetité tem sua origem ainda no Império, quando o então Imperador Dom Pedro II ordena a sua construção, dando continuidade ao seu projeto científico para um melhor registro das alterações climáticas no país. No entanto, sua inauguração só ocorreu no ano de 1908, quando o Brasil já havia se tornado uma República.Com a finalidade de observar as mudanças climáticas do Alto Sertão da Bahia, o Observatório foi inicialmente dirigido pelo casal Ohlsen, Bernardo e Olga, oriundos da Alemanha, que também residiam neste mesmo prédio. Sua localização fica no alto de um morro que está a cerca de 90 metros acima do nível da Praça da Catedral, ponto central da cidade. Hoje, em seu entorno, existe um bairro bem populoso que leva o seu nome. Bastante deteriorado pela ação do tempo, o Observatório Meteorológico de Caetité ainda mantém sua aparência imponente e sua arquitetura quase original. Com exceção do segundo andar da torre, que não existe mais, onde ficava instalado o telescópio”, relata a historiadora. O imóvel, de arquitetura bem eclética, reuniu, naqueles idos, diversos instrumentos importantes para a medição climatológica e de observação celeste. Além de ser um observatório astronômico, o local servia como residência para os funcionários do governo. Quem primeiro residiu no local, como informou a historiadora, foi o casal alemão Bernardo e Olga Ohlsen, enviados pelo então Ministério (para saber mais sobre a presença de alemães em Caetité, veja quadro na pág. XX). Não há registros de quanto tempo permaneceram em Caetité. Sabe-se apenas que ficaram por pouco tempo.

    Foto: Willian Silva | Sudoeste Bahia
    Foto: Willian Silva | Sudoeste Bahia

    Abandono – Mesmo com um passado tão cheio de histórias para contar, o Observatório de Caetité encontra-se, hoje, em estado de abandono. A reportagem não conseguiu autorização oficial para fotografar a parte interna do imóvel, mas pôde entrar e observar para, agora, relatar nestas páginas o que foi visto por lá. Também os funcionários do local, identificados apenas como senhor Nelson e senhor Gero, preferiram não falar. Segundo eles, não havia autorização para discorrer sobre o assunto. Mas eles permitiram a entrada da reportagem – o que possibilitou que a Olhaê pudesse compartilhar estas impressões com o leitor. No interior da casa, foi possível verificar diversos pontos de deterioração. O madeiramento do teto, por exemplo, encontra-se em péssimo estado. Nos cômodos, há muita sujeira – o que indica que há muito tempo não se faz ali um trabalho de limpeza. A escada que dá acesso ao primeiro andar, onde ficavam os instrumentos de medição, está em estado deplorável, com risco de desabamento. Outro ponto observado foram as instalações elétricas, que não oferecem segurança. Já na parte externa, onde não houve limitação ao trabalho de reportagem, as fotos que ilustram estas páginas falam por si. Na parte dos fundos, encontra-se o parque de medição que fornece dados para o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), autarquia ligada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. ‘Parou por aí’ – O professor universitário Sebastião Carvalho, ex-secretário de Cultura de Caetité, diz que, enquanto ocupou a secretaria (2012 A 2016), buscou formas de tentar salvar o prédio, porém sem sucesso. “Quando do governo do então prefeito Ricardo Ladeia, André Kohene, que é advogado e foi secretário de Cultura naquela época, criou a Lei de Tombamento, visando que alguns imóveis fossem tombados a nível municipal. Inclusive, a lei foi criada pensando nisso e, em especial, no caso do Observatório”, informa Carvalho. “Estivemos em Salvador em 2015 e entregamos um ofício para uma deputada que, de pronto, enviou uma equipe do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural [Ipac], que veio e fez todos os levantamentos necessários. Só que parou por ai”, disse o professor. Segundo Carvalho, o problema todo esbarra em uma única questão: quem responde pelo Observatório? “Estivemos em Brasília e ninguém dá conta disso [o Observatório]. O problema é que o antigo Ministério que era responsável pelo Observatório foi incorporado a outro. Ninguém sabe quem é que responde legalmente pelo prédio do Observatório. Na verdade, o Observatório é uma caixa–preta. Fica uma pergunta: quem é o “dono” por assim dizer, do prédio do Observatório? Se conseguirmos desvendar esse mistério, com certeza salvaremos o Observatório”, enfatiza o ex- secretário. A Prefeitura Municipal de Caetité afirma que existe um responsável. “O prédio pertence à União. O Observatório é de responsabilidade do Instituto Nacional de Meteorologia, atrelado ao Ministério da Agricultura”, defende Luiz Benevides, atual superintendente de Patrimônio da Secretaria Municipal de Cultura, Esporte e Lazer de Caetité. “Eles têm ciência da situação do prédio, porém não se manifestam. Infelizmente, a prefeitura se encontra de pés e mãos atadas, pois não se pode fazer nenhuma intervenção no prédio sem a devida autorização da União. Só para ter uma ideia, até para nós entrarmos no prédio foi necessária uma autorização. O que a prefeitura pode fazer, atualmente, é só a capina no terreno ao redor do prédio. E só”, conta Benevides. O superintendente informa ainda que o processo de tombamento do prédio do Observatório já vem ocorrendo há quase vinte anos, desde a gestão do falecido ex-prefeito Ricardo Ladeia. “O processo de tombamento é uma coisa demorada e vem acontecendo desde que André Kohene era secretário de Cultura de Caetité, há um bom tempo. Desde que eu cheguei à Secretaria de Cultura, estamos lutando para que isso venha a acontecer, pois todos em Caetité sabem do estado em que está o imóvel. Tentamos diversas vezes entrar no local para realizarmos uma limpeza, mas, infelizmente, o 4º Distrito Meteorológico [4°Disme], não autorizou nossa entrada. No local, nós encontramos muita sujeira. É triste ver um pedaço da nossa história se acabando com o tempo e sem nos permitirem fazer nada. Quem sabe já foi feito o tombamento e o documento que assegura isso possa estar em alguma gaveta, esquecido”, lamenta Benevides. Segundo o superintendente de Patrimônio, o Ministério da Agricultura já foi informado pela Prefeitura sobre o prédio, mas não deu nenhum tipo de resposta. A mesma reação é atribuída por Benevides ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). “Parece que, para eles, este prédio não existe. O Iphan desconhece a existência do prédio.Já acionamos o Ministério Público diversas vezes, inclusive alertando para a possibilidade de um desabamento do imóvel, que está em situação ruim. O que sabemos a respeito do imóvel é que hoje, apesar de pertencer a União, ele está sob a tutela do Governo do Estado da Bahia, que, inclusive, também não pode fazer nada. A Prefeitura de Caetité tem todo interesse em incorporar o prédio ao patrimônio municipal. Inclusive, a Uneb tem um projeto que visa transformar o local num Centro de Pesquisas e espaço de cultura para a comunidade caetiteense”, conta Benevides.

    Foto: Willian Silva | Sudoeste Bahia
    Foto: Willian Silva | Sudoeste Bahia

    ‘Burocracia’ – Ficou evidente a falta de interesse dos órgãos Federal e Estadual que cuidam do patrimônio imóvel, quanto à restauração do velho Observatório. Eis o que disse o Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac) num ofício enviado ao Departamento de Ciências Humanas da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), em Caetité, em novembro de 2016: “O referido imóvel não é tombado individualmente pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac) e não se encontra em poligonal de preservação delimitada por esse Instituto. Tampouco, localiza-se em Conjunto Arquitetônico, Paisagístico e Urbanístico sob salvaguarda do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan)”. A Benevides, resta lamentar a aparente falta de entendimento entre os órgãos gestores a respeito da manutenção do Observatório e de outros imóveis históricos. “Lamentamos que a população de Caetité não entenda que o abandono do Observatório não é culpa da Prefeitura. O mesmo caso se aplica à Igreja de São Benedito. No caso da Igreja, a prefeitura apenas dá o suporte necessário, porém o Ipac não permite que seja feita a restauração por parte da Diocese, detentora do imóvel, que enseja há muito tempo ver a Igreja secular restaurada. Infelizmente, é um processo delicado e trabalhoso. Às vezes, o processo burocrático impede que trabalhemos nestes casos com total efetividade”, conclui. Outro alemão em Caetité: Walter Dreher, benfeitor do hospital: ‘Ele não foi um padrinho, foi um padrão’, diverte-se doutor Zequinha. Por falar em história, registre-se que a presença de alemães em Caetité não se restringiu ao casal de astrônomos residentes do Observatório, Bernardo e Olga Ohlsen. Além deles, a memória do município abriga outro personagem de origem germânica, chamado Walter Dreher. Ele chegou à cidade enquanto ocorria, na Europa, a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Dreher permaneceu em terras caetiteenses por muitos anos, mesmo após o fim do conflito. A ligação com o lugar levou-o a se tornar um dos benfeitores do atual Hospital Santana de Caetité. Segundo o médico José de Carvalho Costa (), o seu pai, João de Carvalho Costa, foi um grande amigo de Dreher. Costa, popularmente conhecido como “doutor Zequinha”, também foi contemporâneo do alemão e chegou a mantê-lo sob seus cuidados médicos. É ele quem relembra a passagem de Dreher pela cidade. “Walter Dreher tinha um garimpo em Brejinho das Ametistas [distrito de Caetité, distante 27km da sede]. Ao que me parece, ele representava uma companhia alemã de exploração de pedras preciosas lá em Brejinho. Durante a Segunda Guerra, corria no Brasil uma onda de confisco de bens dos alemães e, com isso, Dreher passou todos os seus bens para o nome do meu pai. Passada a guerra, meu pai devolveu a titularidade dos bens para seu legítimo dono”“Depois de muito tempo, Walter começou a ficar doente e resolveu voltar para a Alemanha. Isso por volta de 1970. Eu tratei de Walter por muito tempo. Ele retornou para a Alemanha, mas sempre voltava a Caetité. Numa de suas vindas, relatei para ele a situação do hospital de Caetité e ele resolveu ajudar. Ele voltou para a Alemanha e pensei que ele tinha esquecido. Certo dia, recebi uma ligação do gerente do Banco do Brasil me informando sobre uma grande quantia destinada ao hospital, em meu nome, pois era diretor do hospital naquela época. Eu perguntei quanto era. O banco me informou que eram 300 mil marcos e o depositante era Walter Dreher. A estrutura que o Hospital Santana de Caetité possui, devemos enormemente ao grande amigo Walter Dreher. Ele não foi um padrinho, foi um padrão”.

MAIS NOTÍCIAS