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  • Falando de Caculé - Por Luzmar Oliveira

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    04/08/2016 - 15:17


    Luzmar Oliveira

    Falando de Caculé...

    Quando entrava de férias da escola, arrumava a mala e corria pra Caculé. Lá moravam minhas irmãs Lourdes e Oneide. Normalmente ficava na casa da segunda, pois era mais parecida comigo, e por ser mais jovem que a outra, me deixava mais à vontade. Não que Madrinha Lourdes pegasse no meu pé, mas com Oneide e meu cunhado Orlando, tinha mais abertura para conversar.

     

    Foi ali que tive meu primeiro namorado, o segundo, o terceiro... e todos rapazes lindos. Meus primeiros amores... Aliás, um deles, postulante a jogador de futebol, foi um dos homens mais bonitos que já conheci. Amores de uma adolescente cheia de sonhos, menos o de entrar numa igreja de véu e grinalda e assinar um compromisso que não queria ter. Namorar era bom demais, mas, quando se falava em casamento, o grito de liberdade que me é inerente, era bem mais alto e sonoro. (Aceito uniões, mas não amarrações documentadas. Nunca me casei oficialmente. Nada contra quem aceita, mas eu sou livre por natureza e nenhum documento me fará ser fiel se o amor acabar. Eu sou fiel sim, mas ao que sinto e ao que sentem por mim.)

     

    Caculé, na época, era uma cidade pequena e bonita. Uma praça com um lindo jardim de Fícus, todos podados, um caramanchão no centro e um gramado verdinho. Não havia bancos. A gente ficava passeando de um lado pra outro no passeio do lado mais alto, e os rapazes ficavam em pé, conversando. Ali nasciam paqueras e amizades. 

     

    Seus jovens eram alegres, festeiros, amigos. E por falar em amizades, algumas que fiz por lá se tornaram eternas! Ah! Minha querida Celsa Gomes, moça romântica, bonita e poeta. Deixou-nos tão cedo... Mas jamais será esquecida. Também seus pais e irmãos fizeram parte da minha adolescência. E ainda hoje mantenho contato com Celeide e Dil (Dilma), mesmo que seja pelo Face.

     

    Na praça, ao lado da casa de Madrinha Lourdes, moravam Nise e Vanda. Pessoas lindas. Nise era a alegria em pessoa! Fã de Roberto Carlos (quem da nossa idade não era?), da minissaia, era a legítima "garota papo firme"! Divertimo-nos muito juntas. Todas as tardes sentávamos na grama do jardim, à sombra das árvores e, junto com outras amigas, o papo se esticava por horas. O engraçado é que eu adorava mastigar os brotinhos daquelas plantinhas rasteiras. E, se fechar os olhos, ainda sinto o gostinho quase adocicado. Êta saudade danada!

     

    E Nãna? Minha querida Nãna! Amigona do peito. Pessoa doce, suave, tranquila. Sempre tínhamos mil e uma coisas para conversar. Cabelos curtos, lisos, castanho claro, e um lindo sorriso na cara. Amiga e confidente. Sempre me compreendia. Certa vez fomos ao fotógrafo e fizemos umas meio postais juntas. Está muito bem guardado, pois é uma lembrança para sempre. Quando voltava para Caetité, nos correspondíamos. Escrevia para todas elas e elas para mim. A Kombi de Anchieta levava e trazia nossas cartas, semanalmente, com presteza absoluta. E era sempre uma festa recebê-las.

     

    Hoje Caculé fica a uma hora de distancia de Caetité, pouco mais de setenta quilômetros. Mas naquele tempo ainda não havia asfalto nas estradas da região. E, pelo menos uma vez por mês, passávamos um domingo com minhas irmãs. Meus pais sempre foram muito apegados aos filhos, e não aguentavam muito tempo sem vê-los. Então pegávamos a Rural e ganhávamos aquela estrada de barro, esburacada e poeirenta no verão, ou cheia de lama e atoleiros no inverno. Mas as visitas eram sagradas.

     

    Antes de Caculé, há Ibiassucê. E antes de Ibiassucê, ha dois pequenos rios que, no inverno, davam trabalho, pois não havia ponte sobre os mesmos. Os carros tinham carburador, distribuidor, platinado e condensador. E se a água molhasse o tal distribuidor... valha-me Deus! Era um terror. Outra coisa eram os atoleiros. E, de ambas as situações, só saíamos depois que os moradores das roças vizinhas nos traziam uma junta de bois para puxar o carro e faze-lo pegar de novo. 

     

    Imagine que aprendi a dirigir aos 14 anos e, aos quinze, já estava solta por essas estradas, ao lado do meu pai ou dos meus pais, claro. Não havia, no sertão, uma fiscalização e, grande parte dos motoristas amadores, era ilegal. Quantas vezes tive que passar pelas situações acima descritas! Atoleiros, rios cheios, distribuidor molhado... isso sem contar com carburador entupido, pneu furado, platinado gasto... mas acreditem: Valeu a pena! E passaria por tudo de novo, se possível fosse. Foram momentos de dificuldade, mas de muito aprendizado e de muitas histórias para contar. Sim, com certeza faria tudo igualzinho novamente.

     

    Mas voltemos a Caculé. Ali passei dias realmente dourados. Amava as férias e os amigos que lá ganhei. Não eram só Celsa, Celeide, Dil, Nise, Vanda e Nãna. Havia outras. Iacy, Olívia, Judith... Difícil lembrar todos os nomes ou apelidos. Mas as primeiras que citei marcaram mais, pois eram mais íntimas, constantes, confidentes. Indo para Caculé, passávamos por "Pancadão", que ficava no entroncamento da BR 030 com a vicinal (BA 617). Esse nome sui generis deve-se a um morador que tinha esse apelido. Um idoso de pele rosada, cabelos brancos e repentista animado. Parávamos o carro para falar com ele e ouvíamos versos como:

    "Eu sou Pancadão,

    Que mora no rio São João,

    Onde para os caminhão,

    Pra comer feijão!"

     

    Mais adiante fica Ibiassucê. Dona de uma linda lagoa à esquerda da sua entrada, e que é morada de lindas garças. Também costumava passar uns dias nas férias com minha irmã Yolanda, casada com o professor José Pinheiro. Zé tinha uma farmácia que eu curtia adoidado, pois sobre o balcão havia uma antiga máquina de escrever. Mas antiga mesmo. E eu delirava ao dedilhar seu teclado e ver sair no papel o meu nome em letras de forma. Impresso. Que sonho! Sempre quis vê-lo em uma capa de livro...

     

    Do outro lado da rua morava Detinho e sua família. Deusdete... Detinho... Médico sem diploma curou milhares de pessoas. Um homem diferente. Sabia tudo. Até rezar a missa em latim. Era padre sem batina. Cuidava da igreja com desvelo e carinho. Rezava as novenas e fazia os leilões da festa de São Sebastião, padroeiro da cidade. E da mulher e filhos também, assim como dos amigos e do povo em geral. E como era amado! E como fez o bem a tantos e tantos que o procuravam!

     

    Certo dia, ao voltar de Caculé com minha família num domingo à tarde, encontrei-o na farmácia batendo papo com meu cunhado. Mostrei-lhe uma verruga esponjosa que nasceu em meu dedo médio da mão direita. Ele olhou rapidamente, passou a mão e disse que não era nada. Três dias depois a verruga sumiu. Só anos depois fui entender a sua grande mediunidade de cura.

     

    Mas as minhas passagens por Caculé foram inesquecíveis. Amores de adolescia, amigos que guardei no coração e nas lembranças, e todos os momentos de alegria que ali passei. Lembro-me de tudo e de todos com muita saudade. Dos carnavais no clube na Praça da Igreja. Dos saraus no Clube dos “100”. Os passeios de bicicleta. As caminhadas com minha família. Minhas irmãs... Saudades sempre de Madrinha Lourdes, Zé Pinho, Orlando e Sônia que já nos deixaram. Saudades da padaria de Orlando onde, além de comer pão quente com manteiga, me deliciava, junto com Oneide, dos "bolinhos de chuva" feitos com a massa do pão doce. E do delicioso pudim de pão que ela fazia.

     

    Saudades de tanta coisa! Ha muitos anos não vou lá. Deve ter mudado muito. Como minhas amigas também, inclusive mudança de domicílio... Hoje minhas lembranças foram para uma terra que, embora não seja minha, marcou de forma linda a adolescência de uma garota sonhadora que jamais a esquecerá. Obrigada Caculé! Obrigada a todas as minhas amigas que tanto me fizeram feliz! E aos amores da menina que um dia fui.

     

    Luzmar Oliveira – [email protected] – WhatsApp: 71 987247161

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  • Caetité, pequenina e ilustre – Por Luzmar Oliveira

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    01/05/2016 - 18:59


    Luzmar Oliveira

    Caetité e seus guetos

     

    Outro dia estava batendo um gostoso papo com uma amiga e conterrânea, quando ela me disse: “Ora Luz, o chique de Caetité era morar na Rua Barão!” Dei uma boa gargalhada, mas acabei concordando com ela. Nós nos referíamos aos anos sessenta, claro. 

     

    Caetité é uma cidade serrana, enladeirada, de clima agradável e muito frio no inverno. Chegou a ser cogitada, ainda na época do império, para ter um centro de tratamento da tuberculose, que seria no Hospital Regional, que para isso foi construído. Mas nunca aconteceu. E a Rua Barão de Caetité fica no seu ponto mais alto, tendo assim um clima muito mais agradável.

     

    Concordei por diversos fatos. Era a maior rua da cidade, a mais habitada. E ali estavam todos os “doutores”. Os da medicina, os das leis... e uma grande leva de professores, que eram, assim, os cidadãos mais brilhantes e respeitados. Sim, pois naqueles tempos professor era respeitado, admirado, valorizado pela sociedade (embora nunca o tenham sido pelo governo, em se tratando de salário). Ali também havia morado o homem que deu seu nome à rua, o Barão de Caetité, Dr. José Antônio Gomes Netto, um nobre magistrado nascido em Ceraima (Guanambi, que àquele período pertencia a Caetité), e foi um grande líder político da nossa Vila Nova do Príncipe. E também o seu genro, Dr. Joaquim Manoel Rodrigues Lima, o primeiro governador constitucional da Bahia.

    Mas, para mim, o chique mesmo era ser de Caetité que, além de Baronato, era sede de bispado, tinha a primeira Escola Normal da região, recebia centenas de estudantes de várias cidades da Bahia, tinha inúmeros filhos ilustres, água deliciosa, clima agradável, excelentes professores, povo hospitaleiro e amigo e, dentre mais um milhão de coisas (impossível citar tanto), era a minha terra! Ah! E ainda tinha a mais bela Igreja da região... aliás, não era Igreja pois, como sede de bispado, era – e ainda o é – Catedral! A Catedral da Senhora Santana de Caetité! Belíssima! Motivo de orgulho para todos nós, seus filhos e enteados.

     

    Nasci em uma casa que ficava entre a do Padre Oswaldo e a de Franco Fernandes, meu padrinho. Na esquina da Praça da Catedral com o Beco das Éguas, hoje Avenida Santana. Aliás, a mesma foi demolida em função da construção dessa última.

     

    Dali nos mudamos para a Rua Dois de Julho, entrada da cidade, próxima ao Mulungu. Lá moramos em cinco casas, pois meu pai era dono de um terreno enorme e, como sempre dizia, adorava construir casas novas e se mudar para elas. De origem muito humilde, o velho Tobias sabia valorizar o fruto do seu trabalho.

     

    Ali vivi até os meus vinte anos... quando tomei o rumo da faculdade e só voltava na férias. Ali vivi minha infância e juventude ao lado de muitos amigos queridos. Alguns já nos deixaram. Outros, estão ai para provar que amizades verdadeiras nunca morrem. Eram Cleide, Luiz Tampinha, Márcio, Fiim, Janete, Gilson, Flávio, Jânio, Zilda, Nuna, Ni e tantos outros que se juntavam para correr e brincar de picula, pedra lisa, roda, telefone, chicotinho queimado, dé-má-ré, três três passará, corda, peteca, baleado...

     

    Vez por outra vinham colegas do primário, como Ana Helena (Xupimpa) e Celina Vasconcelos. Apareciam para estudar e brincar no enorme quintal lá de casa. Ah! Mas, principalmente, para “atacarmos” o carro da Bela Vista, de propriedade do meu pai e do meu cunhado “padim Jão”... Era filiado a uma distribuidora de balas, chocolates, doces e biscoitos de São Paulo. Mais tarde foi vendido para os irmãos Ouro e Edgar, filhos do Sr. Antônio Rodrigues (Mulungu). E imediatamente substiuido por dois da Campineira, com produtos idênticos mais o famoso Pirulito Zorro, até hoje lembrado e relembrado pela minha geração.

     

    Era uma turma como outra qualquer das outras ruas da cidade. Mas era a minha e ali era o meu reduto. Baixinha, tímida, mas fazia parte do pedaço. Cresci e a turma aumentou, pois vieram estudantes de fora para habitar pensionatos. E assim, novos e bons amigos.

     

    Dona Zelinda Teixeira, a nossa saudosa “Mãe Zé” se mudou por uns tempos para a casa de Dácio. E junto vieram seus filhos Tiabinha (Núbia), Zai (Isa), Zevaldo, e as pensionistas, Vera Neves (Vera Piriquito) e Cinha. E as filhas casadas que sempre a visitavam, mais amigos como Zé de Cazuza, Tekinha, Mandinga, Rildo e outros mais. Ao lado da nossa casa, morava a família Carapiá com Chinha, Norma, seus irmãos e algumas pensionistas, dentre elas Dilminha e a minha querida amiga Glorinha (de Riacho). E todos juntos fazíamos a alegria da rua!

     

    O fato de termos nossos “guetos”, não nos afastava dos demais. Todos eram amigos de todos naquela linda vila serrana. Se não nos encontrávamos na mesma rua, o fazíamos na escola, no clube ou no jardim da praça. E todos juntos e misturados, fazíamos a alegria da cidade. Fazíamos a história daquele recanto do sertão baiano. Estudávamos para sermos professores. E alguns sonhavam com um casamento por amor ou com um diploma universitário. Ou com os dois. E seguíamos em frente com uma vontade enorme de alcançar os objetivos. E enquanto o tempo não passava, íamos curtindo os bancos da praça, os amigos e as noites estreladas.

     

    E entre a peteca e os livros, os anos se passaram. Crescemos. Mudaram as brincadeiras. Mudou a praça. Mudou a cidade. Cresceu também. Vieram pessoas de fora e nós saímos de lá... Alguns ficaram, poucos voltaram. A maioria tomou novo rumo, conquistou novas amizades e constituiu família. Realmente todos crescemos. Mudamos de vagão no trem da vida. Alguns saltaram e não mais voltarão. Foram para o lar de origem. E nós, os que ainda aqui estamos, guardamos nas lembranças nosso passado naquela terrinha pequenina e ilustre. Sentimos saudades. Saudades do que valeu a pena. Saudades da família, das amizades, das ruas calçadas de pedra, da feira onde comprávamos tangerinas. Das roças e quintais onde chupávamos manga, umbu, jabuticaba... E dos engenhos com garapa, melaço quente e rapadura mole grudada num pedaço de cana. 

     

    As turmas das ruas ainda existem em nossa memória, mas hoje, nos reencontros casuais, elas se misturam, se mesclam, e entre abraços e sorrisos, contamos novas histórias. Mas ainda nos referimos às velhas lembranças.

     

    Da Dois de Julho trago mais e mais saudades, pois ali deixei aqueles que me deram a vida, e que já voltaram para o lar. Deixei os amigos que me viram crescer e que cresceram junto.

     

    E como todos os que se auto-exilaram, deixei amores. Os rompantes da adolescência. As paixões de menina moça. Coisa que só quem viveu isso compreende. Deixei pessoas inesquecíveis, pois foram os primeiros a fazerem vibrar o meu coração de menina moça.

     

    Hoje eu agradeço à vida por haver me dado essa oportunidade. Por me ter feito nascer naquela cidade pequenina, sábia, maravilhosa. Por viver hoje momentos completamente diversos daqueles, mas com a sabedoria ali adquirida e mantida. Por ainda poder me reunir aos amigos de sempre. E por hoje, em nossas reuniões, não existirem nem ruas nem guetos... Apenas a TURMA DE CAETITÉ!

     

    Luzmar Oliveira - WhatsApp: 71 991031847 – [email protected]

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