BRASIL - Lentamente um cenário é desmontado. Tiram-se as máscaras, caem os decretos emergenciais, leitos hospitalares deixam de ser exclusivos para a Covid-19 e já não há filas quilométricas para a vacina. Mas algo permanece. Debaixo das marquises, o número de pessoas aumenta. Nos ônibus e nas ruas, é recorrente o pedido por comida. No novo contexto, a fome e a pobreza são mantidas como um legado da pandemia. “Nós temos dois restaurantes populares e neles tivemos que aumentar a nossa oferta de alimentação de 700 para 1000 refeições diárias”, disse Kiki Bispo, que deixou a secretaria municipal de Combate à Pobreza na última segunda-feira. Apesar da falta de dados recentes — a última pesquisa foi feita pelo IBGE, em 2019 —, gestores e movimentos sociais apontam os sinais do empobrecimento no país nos últimos dois anos. Na capital baiana, de acordo com Kiki, mudou ainda o perfil de quem buscava o serviço dos restaurantes populares. Se antes, a maioria era de pessoas em situação de rua, agora trabalhadores autônomos e desempregados também passaram a ocupar as filas. As procuras por cestas básicas nos Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) também cresceram na Bahia, conforme a superintendente de Assistência Social da Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social, Leisa Sousa. “A gente vem monitorando o volume de atendimentos que o CRAS vem fazendo. Todos os municípios repassam os dados. Quando a gente comparou os dados de 2021 para 2020, a demanda por benefício eventual, como cesta básica ou auxílio moradia, que garantem a sobrevivência cresceu mais que 50%”, conta. São 3,6 milhões de famílias baianas inscritas no CadÚnico, registro do governo para acompanhar pessoas em situação de pobreza e extrema pobreza. Destas, mais de 2 milhões recebem o Auxílio Brasil (antigo Bolsa Família). Desde 2020, mais 500 mil pessoas fizeram o cadastro. “No nosso estado, a gente tem o maior número de famílias em situação de extrema pobreza [dado de 2019], o Auxilio Brasil tem a identificação pelo CadÚnico, que tem faixas de família em extrema pobreza, pobreza e vulnerabilidade social. A grande maioria, acho que 80%, é de extrema pobreza”, diz Leisa Sousa. Apenas nos três primeiros meses deste ano, mais de 50 mil famílias de Salvador se cadastraram no CadÚnico para receber o benefício. A massoterapeuta Taciane Silva, de 28 anos, constata os dados na rotina. Trabalhando na Pituba e morando em Pau da Lima, Taciane viaja diariamente de ônibus. Após alguns meses de pandemia, começou a perceber o aumento de pedintes e de vendedores no transporte público. Em geral, com uma mesma história: perderam o emprego durante a quarentena e não conseguem mais se sustentar. “Se eu pegar um ônibus por dia, pode ter certeza que vai entrar 3 ou 4 com a mesma fala — que precisa ir para a rua porque não consegue comer. Tinha um homem que estava pedindo ajuda e até biscoito, bolacha, o que tivesse ele estava aceitando, porque estava com fome. A menina que estava no ônibus deu a marmitinha dela para ele”, conta.
20/01
carlos henrique