• Sangue afrodescendente corre nas artérias caetiteenses

    Foto: Mauri Oliveira | Sudoeste Bahia Foto: Mauri Oliveira | Sudoeste Bahia
    Por Mauri Oliveira

    16/06/2020 - 20:30


    Os traços do passado permanecem no cotidiano e conhecê-los em profundidade significa criar condições para entender o presente.

    ARTIGOS

    - A comunicação humana vai além do ato de verbalizar. Cada contorno que há em nós, cada elemento que nos forma, contam histórias. E, a pele como maior órgão do corpo humano revela-se muito sobre a ancestralidade. Os traços do passado permanecem no cotidiano e conhecê-los em profundidade significa criar condições para entender o presente. Assim, uma sociedade que desconhece a sua história (memória coletiva) está fadada a desconhecer suas origens, desenvolvimento, os vínculos que mentem com outras pessoas e do sentido da vida. Em Caetité, os negros representam uma historicidade de fortaleza, quanto à apropriação identitária. Sob uma panorâmica de investigação, constata-se a importância de compreender o que pensaram ao longo do tempo e suas ressignificações contemporâneas enquanto seres sociais. O saudoso professor doutor Bartolomeu Mendes, um dos fundadores da Academia Caetiteense de Letras, foi um dos primeiros escritores a discutir a herança africana neste solo, e suas percepções encontram-se em sua obra, “Caetité em preto e branco: escravidão e afro-descendência” (2004), a qual revela o racismo e a hipocrisia de uma realidade em que a hombridade é medida pela cor e posição social.

    Foto: Mauri Oliveira | Sudoeste Bahia
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    As marcas do trabalho escravocrata podem ser identificadas nas áreas mais antigas de Caetité, a exemplo da “Casa do Barão”, Igrejas de São Benedito e São João, “Casa da Chácara”, esta, segundo o professor Bartolomeu Mendes, construída por cerca de quatrocentos escravos, propriedades da família do Capitão Porfírio, há mais de trezentos anos. Além desses ambientes com enorme valor arqueológico, destaca-se também, os traços físicos e culturais que nos atravessam cotidianamente, através de pessoas com características étnico-raciais de miscigenação. “Não continuemos a cometer os erros do passado. Está na hora de visualizarmos a presença negra disputando espaços público e privado, construindo suas áreas de territorialidade”, relata o professor Bartolomeu Mendes. E, ao que se observa, ao que nos cerca, são, salários desiguais, a violência em suas múltiplas abordagens, relações permeadas por discriminação, preconceito e racismo. “O quadro caótico de hoje tem aumentado, em muito, o estado de indigência do negro, excluindo-o das possibilidades de ter uma vida digna”, completa. Que possamos ultrapassar os limites daquilo que os livros de história nos conta, por vezes, como omissão histórica e cultural, fragmentações e maneiras estereotipadas das experiências significativas dessa etnia. Mesmo sob o domínio das elites caetiteenses, durante o século XX, os negros construíram formas de inserirem socialmente, como descreve, Mendes, “como foi o caso do Jovem Florentino da Silva, que consegui ser ordenado padre, [...] a famosa parteira, Damiana, Seu Gasparino, famoso reiseiro da época”. O Brasil ainda tem uma enorme dívida de reparação, mudanças e inclusão sócio-política-econômica aos negros, dessa vergonhosa memória, pois foram graças à sua mão de obra, que se aflorou, às riquezas econômicas e sociais do país. Em vista disso, pode-se começar a repará-los garantindo seus direitos, a exemplo de certificações de pertenças quilombolas. Caetité consegue dar passos nesse sentido, desde a primeira certificação da Fundação Palmares em 2010 e ano passado com mais comunidades inclusas, totalizando 13 comunidades, das cerca de 25 existentes. Ainda precisamos aprender a enxergar as pluralidades do outro, ainda que, seja um desafio à eliminação de rótulos raciais, quanto a tonalidade epidérmica e compreender o colorido humano na diversidade, além das pigmentações. O despertar do saber, continua sendo a melhor sensibilização para as futuras gerações caetiteenses, perceberem que em nossas artérias pulsam sangue afrodescendente. Revisão: Profa. Ma. Rosemária Joazeiro. Referência: MENDES, Bartolomeu de Jesus. Caetité em Preto e Branco Escravidão e Afro-descendência. Caetité/BA. Gráfica Caetité. 2004.

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