• Caetité, pequenina e ilustre – Por Luzmar Oliveira

    17/10/2014 - 20:16


    CAETITÉ

    Como era a juventude dos anos sessenta

     

    Pensem em uma blusa branca, que tem que se manter branca e bem passada e uma saia pregueada, de casimira ou gabardine, que tem que ser conservada bem passada e impecável! Ora, minha mãe sempre comentava quando passava uma colega pela frente de casa: “Fulana está com a blusa da farda tão branca que dá gosto! E muito bem engomada! E é ela mesma quem lava e passa! Olha a saia!” Isso porque eu não fazia nada disso, sempre encontrava pronto e ela, que nunca me ensinou ou obrigou a fazer, adorava resmungar. Mas, graças a Deus, tenho irmãs que sempre foram “irmães”!  Madrinha Nice trouxe de Sampa uma blusa linda “Volta ao Mundo” da Valisere e uma saia plissada. E Ínis, que tem mãos mágicas, me costurou uma belíssima blusa de poliéster! Nada de ferro! Nada de colocar a saia sob o colchão. Bem, assim era a farda feminina do nosso amado IEAT. Junto com sapatos e meias pretas.

     

    E eu não me esqueço da frase: “Aluno é prego, professor é martelo!” que, de certa forma, era verdade. No universo do IEAT a grande maioria dos professores funcionava como martelo. Mas no bom sentido. Batiam em nossas cabeças com precisão, trazendo-nos um cabedal de conhecimentos invejável.

     

    É claro que dizíamos a frase acima com um sentido pejorativo. Achávamos o ensino muito “puxado”, muito intenso e assim chamávamos os mestres de carrascos. Mas hoje só podemos agradecer aos que exigiram de nós afinco nos estudos e atenção nas aulas. Isso nos fez melhores e mais preparados para o desempenho nas faculdades e nas profissões. E até na vida.

     

    Caetité era um pólo educacional famoso em todo o Estado, quiçá no Brasil. Sua Escola Normal que remonta ao século IXX, foi responsável pelo suprimento de professores em grande parte da Bahia. Recebeu alunos de várias regiões do Estado, preparando-os e formando-os com esmero.

     

    Como disse outro dia, para ingressar no ginásio, havia os exames de Admissão. Depois de aprovados, seguíamos nosso caminho estudando individualmente as matérias, cada uma com seu titular. Eram professores, na sua maioria, apenas com a formação secundária. O famoso Curso Pedagógico, ou Normal, ou Magistério. Muitos deles tão bem preparados, que eram Catedráticos, ou seja, indivíduos que conhecem a fundo determinado assunto. E vem de Cátedra, que significa: cadeira professoral; o mais alto posto da hierarquia do magistério. Mas havia também os que tinham formação superior. Eram médicos, advogados, pedagogos, licenciados em Letras e outros.

     

    Tínhamos aulas de março a junho e de agosto a dezembro. Provas mensais. Um exame em junho e outro, com provas escritas e orais, em dezembro. A princípio não se passava por média. Tínhamos que ter média cinco em todas as matérias e, somando todas e dividindo pelo total de notas que, subtraindo de dez, veríamos a nota que precisávamos tirar no exame final para passarmos de ano.

     

    Caso estivéssemos fracos em uma das disciplinas e não conseguíssemos ser aprovados na mesma, faríamos a famosa segunda época. Eram exames complementares feitos durante as férias de final de ano. O aluno podia fazer no máximo duas por ano. Se perdêssemos três matérias, seríamos reprovados. Ainda não havia a chamada “dependência”.

     

    Depois houve a Reforma da Educação e passamos a estudar por “Unidades” e a passar por média (7). Foram suprimidos os exames de junho e oral. E criou-se “dependência. Tudo ficou mais fácil e leve, pois, ao invés de mensais, as provas passaram a bimestrais e, se ao final das quatro unidades tivéssemos média sete ou mais, já estaríamos aprovados.

     

    Em 1964 aconteceu o Golpe Militar, que veio transformar totalmente nosso país. A Lei nº 4.464 de 9 de novembro de 1964 passou a reprimir os universitários, sendo que essa repressão atingiu todo e ensino brasileiro.

     

    A década de sessenta foi uma verdadeira explosão da nossa juventude. Tanto na área cultural, como social. Com a repressão, a censura se tornou insuportável.

     

    No mundo ocidental surgem movimentos como o Hippie, onde jovens são influenciados pelo desejo da liberdade, gritando “Paz e amor”, “Faça amor, não faça guerra” e suas vestes eram totalmente despojadas e alegres, de cores e estampas floridas. A flor passa a ser seu símbolo. Sobrevivem de artesanatos e andam em grupos. Pregam o “amor livre”, quando o sexo entre solteiros era tabu.

     

    O Rock and Roll atinge seu ponto mais alto. É o mais tocado nas boates. Ganha força nos festivais, como o inesquecível e lendário Woodstock (1969), símbolo da união daquela geração. No Brasil, esses movimentos se espalharam mesmo desafiando a maldita ditadura. Época de terror e morte. Torturas. Filhos e pais desaparecidos. Polícia Militar embrutecida e cruel. Exílio.

     

    Na música, surge a Bossa Nova e o Tropicalismo. Um banquinho e um violão e a irreverência dos baianos Gil e Caetano. Elis desponta com seus braços imitando hélice de helicóptero cantando Arrastão. A Bahia apresenta a DIVA Maria Bethânia e a voz perfeita de Gal Costa. Chico Buarque revela-se e o paraibano Geraldo Vandré é preso e torturado ao cantar “Prá não dizer que não falei das flores”. E também desponta o ídolo brega que leva o nome da nossa Caetité para o resto do país, nosso amado Waldik Soriano.

     

    Mas os ídolos também entram no rol dos perseguidos e muitos desaparecem. Outros vão para fora. E Paulo Diniz canta: “I don't want to stay here I wanna to go back to Bahia”, posteriormente gravado também por Caetano que, exilado em terras da rainha, cantava “London London” e, mais tarde, relembrando sua prisão, compõe e grava “Terra”. Gilberto Gil canta “Não chore mais”. Chico Buarque, dentre tantas, compõe “Apesar de você”e, depois, com Gil, “Cálice”.  Ainda é gravação de Caetano “Eu não sou daqui/ Eu não tenho amor/ Eu sou da Bahia/ De São Salvador!”

     

    Há muitas e muitas músicas gritando a dor... Mas há também as românticas que deram o tom dourado à nossa geração! E na recôndita Caetité, a vida continuava. A maioria dos seus habitantes ignorava o que acontecia no mundo, pois ainda não havia televisão. Telefone era local. Os jornais e revistas chegavam com atraso considerável. Só as rádios nos davam alguma notícia...

     

    Mesmo assim nossos estudantes seguiram em frente. Muitos partiram para centros maiores em busca de universidades. Com a base maravilhosa que receberam no IEAT, não tiveram dificuldades maiores e ingressaram nos cursos sonhados. Cresceram. Mas na mesma década de sessenta surgem novos personagens em nossa Vila Nova do Príncipe, a começar por “um certo Jaime Wright”...

     

    LUZMAR OLIVEIRA – [email protected] – WhatsApp : 71-99503115

     

     

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