• Caetité, pequenina mas ilustre – Por Luzmar Oliveira

    19/08/2014 - 15:49


    CAETITÉ

    Caetité de ontem... E de hoje

     

    Naqueles finais de tarde, após o banho morno, minhas irmãs me arrumavam, agasalhavam e penteavam meus cabelos com enorme cuidado e carinho. Era inverno em Caetité e o céu insistia em vestir suas roupas cinzentas, derramar muita agua nas ruas e deixar o vento frio solto aprontando. E, ano após ano, convivíamos com aquele clima serrano, gostoso, e com aquela cidadezinha mansa e abençoada. Quando às dezoito horas o relógio da igreja tocava as badaladas da Ave Maria, era hora de entrarmos para jantar.

     

    Jantar significava tomar sopa, café com leite, pão com manteiga, chiringas e bolo (“bolo de forma”, como o chamávamos). E, no inverno, como aquele caldo quentinho era abençoado! Ao invés do café (que nunca gostei), tomava um Toddy e comia pão com manteiga de garrafa. Como os fogões eram de cimento usávamos a sua trempe de ferro como “gril” para tostar o lado da manteiga do pão. Aquele chiado gostoso o dourava e deixava exalar um cheiro delicioso. 

     

    Naqueles fogões havia um formo embutido, colado ao borralho. Era aquecido com a lenha que ali queimava e nele nossas mães assavam os bolos e os chimangos do dia a dia. Mas no quintal era diferente. Aquele forno de barro, em forma de iglu, era mágico. Parecia uma cornucópia, tal a quantidade de biscoitos deliciosos que de lá saiam.  Primeiro era recheado de lenha que, após queimar, era varrida com galhas de arvoredos ou uma vassoura especial comprada na feira. E ai era só enfiar as assadeiras e retira-las quando seu conteúdo estivesse assado. E estava feito o estoque para um bom tempo. As chiringas eram armazenadas em latas enormes que vinham com os biscoitos da Bela Vista. Os demais, em vasilhames menores. Depois devidamente arrumados na “despensa”, uma espécie de almoxarifado que havia em todas as cozinhas.

     

    Também havia uma outra curiosidade: os fogões a lenha geravam água quente para nosso banho. No alto da parede tinha uma espécie de caldeira ou torpedo que recebia água através de tubulação. Por trás do fogão, passava outra tubulação vinda da caixa dágua, em canos de aço galvanizado, que percorria um sifão e recebia o calor do fogo. A água voltava então ao torpedo que a enviava ao chuveiro do banheiro ao lado. Era uma engenhoca fantástica! E como me fascinava!

     

    Com o passar dos anos tudo se transformou. Veio a luz de Correntina (1966) e os chuveiros elétricos. Veio o fornecimento de gás engarrafado e os seus fogões. E veio muito mais.

     

    Nas ruas os postes de madeira foram substituídos por outros muito maiores e feitos de cimento. As lâmpadas passaram a ser de mercúrio (luz azulada, linda!). E nós começávamos a conhecer o progresso. Nossas radiolas eram elétricas agora e podíamos ouvir música o dia todo, tocando os LPs, compactos simples e duplos e as bolachas de 78rpm. E aqui tocava o “Quem és tu” de Waldick Soriano, ali a “Boemia” de Nelson Gonçalves e mais adiante Angela Maria cantava “Cinderela”.

     

    Dominguinho monta uma sorveteria na praça. No Mulungu, Sr. Maurílio monta outra e um restaurante. E nosso verões passam a ser mais doces e geladinhos.

     

    Circos e parques mambembes frequentam a cidade. No Mulungu, totalmente descalçado, havia uma enorme praça onde os mesmos se esparramavam e alegravam nossas noites com seu serviço de alto-falantes, seus brinquedos mirabolantes e os espetáculos inesquecíveis sob as lonas surradas. “Hoje tem marmelada? Tem sim senhor! Hoje tem goiabada? Tem sim senhor! E o palhaço quem é? É ladrão de mulher!” E, para chamar a população para o espetáculo da noite, havia desfiles pelas ruas com palhaços da perna de pau e a molecada correndo atrás. Momentos hilariantes e que se agregaram à nossa história de vida. Coisas que nos marcaram de tal maneira que, fechando os olhos, nos transportamos no tempo e no espaço e revivemos cada movimento, ouvimos cada palavra e gargalhada.

     

    Mas o tempo passou mais um pouco. E mais ainda. Crescemos. Mudamos nossos sonhos. Transformamos nossos desejos. Fizemos nosso futuro chegar e se transformar no hoje. A Caetité da nossa juventude já não existe e nem nós somos os mesmos. Todos passamos pelo tempo e deixamos para trás a pureza das crianças que fomos. Geramos nossos próprios filhos e fizemos de nossos pais, avós. Depois nos tornamos avós. Algumas pessoas do nosso passado já nos deixaram e outras surgiram no nosso hoje. Sentimos saudade do que nos fez bem. E apagamos o que nos fez tristes. Somos a prova viva da existência de uma vila que se tornou cidade e isso faz de nós testemunhas da sua história. História que ajudamos a escrever e que hoje nos surpreende com a perspectiva de um amanhã ainda mais brilhante.

     

    A Caetité dos nossos sonhos já não existe. Hoje ela é a Caetité dos sonhos de outras pessoas que se atreveram a ficar lá e fazê-la progredir. Nós a deixamos. Buscamos outros horizontes, outra realidade. Nós não fazemos parte da confraria dos minérios. Nós somos remanescentes de uma terra da cultura, da erudição, da tradição. Em nosso lugar, vieram estranhos que se estabeleceram e fizeram dela seu novo lar. E, junto aos que ficaram, conseguiram fazê-la crescer e gerar novas riquezas.

     

    Luzmar Oliveira – [email protected] – WhatsApp: 71-99503115

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