• Caetité, pequenina e ilustre – Por Luzmar Oliveira

    Foto: Marcos Oliveira / Sudoeste Bahia Foto: Marcos Oliveira / Sudoeste Bahia
    16/08/2015 - 01:40


    CAETITÉ

    Relembrando os invernos da infância

     

    É um final de tarde cinzento como um borralho de fogão a lenha. Faz frio. O meu pensamento ganha asas e voa lentamente. E pousa na minha infância em Caetité.

     

    Dezoito horas. Fecho os olhos e aguço a audição para ouvir as nove badaladas, em três tempos de três, do carrilhão da Catedral de Santana de Caetité. Eu, menina, tomada banho (com água morninha), faço o sinal da cruz e “rezo” as três Ave Marias, como boa católica que era (será que o fui realmente?).  

    “Óh! Dias da minha infância...”

     

    Cantou o poeta Casimiro de Abreu.

    “Oh! que saudades que tenho
    Da aurora da minha vida,
    Da minha infância querida
    Que os anos não trazem mais!
    Que amor, que sonhos, que flores,
    Naquelas tardes fagueiras
    À sombra das bananeiras,
    Debaixo dos laranjais!”

     

    E depois da hora do Ângelus, uma sopa quentinha de aipim com carne do sol. Café feito no fogão a lenha e coador de pano. Leite tirado diretamente do ubre da vaca. Meu pai preparava meu Toddy...  Depois saíamos a correr pelas ruas em suaves brincadeiras de roda, picula, pedra lisa, anelzinho, telefone, pula-corda... e tantas outras bem distantes dos jogos de computador e celular. Nem televisão existia naquele sertão distante. Apenas alegria e a doce despreocupação de uma infância sadia e feliz. O que tínhamos nos bastava. Não sentíamos falta do progresso das capitais.

     

    Os sonhos da garota miúda e romântica se resumiam em chocolates e doces. Não era preciso pensar no amanhã. Não era preciso ter preocupações maiores que as notas da escola. Isso nos bastava. Isso nos fazia felizes.

     

    E quando o dia voltava com o sol frio de agosto, a gente tomava banho, café da manhã e ia para a escola primária. Lá dona Judith e os colegas nos esperavam. E no intervalo, no recreio, corríamos despreocupadamente pelo pátio ou pelo campinho que havia atrás do Salão Nobre.

     

    Mas se havia chuva, nosso lanche era dentro da sala mesmo. E ficávamos olhando pelas janelas, nariz colado na vidraça, torcendo para que a mesma passasse logo e que desse tempo de brincarmos lá fora. Desse tempo de corrermos atrás das tanajuras. Desse tempo de sentirmos o ar puro entrando pelas narinas e aumentando aquela energia de  alegria e vida!

     

    Na saída estava sempre acompanhada por Ana Helena e Herculano (saudades). Parávamos na frente do belíssimo prédio do Teatro Centenário, onde funcionava o Cine Caetité (do velho Zuza), e olhávamos gulosamente os cartazes do filme do dia. Sim! Em cada cinema da nossa cidade era um filme novo a cada dia. Nada de reprises. E “Cula” se apressava a apagar o limite da idade da censura, afirmando que assim poderia entrar... doce ilusão de um cinéfilo incurável!

     

    Mas o inverno também era época dos resfriados e dores de garganta. Da terrível “picada” da agulha com Ozonil (injeção obrigatória receitada por Dr. Clovis). E isso me acompanhou até que Dr. Zequinha me retirou as amígdalas.

     

    Lembro-me ainda da neblina que encobria a cidade pela manhã. Às vezes não enxergávamos “um palmo adiante do nariz”! Aquele frio gostoso parecia penetrar nos ossos, principalmente os da face... e talvez essa bendita sinusite seja herança dessa época abençoada. Caetité fica numa serra entre serras... e todas elas desapareciam nas manhãs de inverno. Só a névoa ficava ante nossos olhos, e nos encantava assim mesmo, com toda sua gélida recepção. Era lindo de se ver! Era gostoso de sentir! Era a nossa vida, a nossa história!

     

    E mesmo assim conseguíamos sair para brincar com os amigos. Agasalhados da cabeça aos pés, corríamos soltos pelas ruas onde ainda não havia asfalto e apenas raros carros por ali passavam... Éramos livres como a brisa da manhã. Éramos felizes como pássaros que ganhavam os céus, os ares... Éramos nós mesmos, puros e endiabrados ao mesmo tempo. E o baleado rolava solto, assim como a peteca e a bola. Jogávamos “triângulo” nas areias deixadas pelas enxurradas. Ou cavávamos “biroscas” para as bolinhas de gude. Nosso lado perverso enfiava as tanajuras no palito ou nos fazia sapatear sobre as formigas vermelhas, que saiam do buraco loucas por uma folhinha verde...

     

    E o final da tarde já se foi e se fez noite. Noite de inverno em Salvador, onde o frio não é tão grande. Onde 23° já nos faz tremer. E nos lembramos dos tempos de meninas e meninos em nossa terra natal com certa inveja das crianças que fomos um dia. Paramos e agradecemos a Deus por ter-nos concedido essa dádiva e por nos permitir continuar nossa jornada aqui construindo nova vida... e novas vidas!

     

    Luzmar Oliveira

    Luzmar Oliveira – [email protected]  – WhatsApp: 71 – 91031847 e 87247161.

    http:// facebook.com/luzmar.oliveira1

     

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