• Caetité, pequenina e ilustre – Por Luzmar Oliveira

    28/03/2015 - 13:25


    CAETITÉ

    No teatro centenário de caetité

     

    Eu devia ter cinco ou seis anos. Meus pais eram os “festeiros” do 2 de Julho. “Festeiro” era o nome que se dava aos responsáveis pelo evento. A cada ano uma família era encarregada.

     

    Para se levar a termo toda a comemoração, necessitava-se de dinheiro. Então bolaram encenar duas peças no nosso magnífico Teatro Centenário (aquele que foi derrubado para dar lugar a uma agenciazinha do Brasdesco. Coisas de quem abomina a sagrada cultura de um povo. Perdoai-os nobres Sr Durval Castro, mentor da sua construção e Sr João Antônio dos Santos Gumes, o grande arquiteto). Começava ali as minhas incursões nessa fascinante arte! E minhas excursões pelo saudoso e esplêndido Teatro Centenário de Caetité.

     

    Percorri cada milímetro daquele prédio e, quanto mais o fazia, mais meu coraçãozinho se apaixonava por ele. Creio haver nascido com o sangue da arte nas veias. A paixão por ela sempre me moveu em todas as suas direções, ensaiando a pintura em tela, o desenho, o teatro, o artesanato e muitas outras coisas. 

    Durante meses acompanhei os ensaios de duas peças dirigidas pela professora Eponina Zita dos Santos Gumes, filha do arquiteto. A primeira, um drama de nome “Silvio, o Cigano”, tinha Silvio Prisco no papel principal. E a mim e Gracinha Prisco, como pequeninas ciganas figurantes. A segunda, a comédia “Granfinos em Apuros”, tinha João Pichemel e sua noiva Dulce Gumes. Também em ambas trabalharam minhas irmãs Yolanda, Ínis e Oneide.

     

    Além dos “atores” citados, recordo-me da participação de Ivani Neves e Guanais. Como era muito pequena, a memória está falhando... Mas, ver a orquestração dessas obras de arte, foi o suficiente para marcar definitivamente a minha vida. Mostrou-me o fascínio do teatro. E conhecer aquele prédio magnífico por dentro, suas coxias, bastidores, camarins e camarotes, foi um presente inesquecível. O encantamento foi tamanho para aquela menininha, que a adulta jamais o esqueceu.  Emoções indescritíveis! Coisas de romance...

     

    O teatro marcou época em nossa Caetité. Depois dessa minha “estreia”, vi muitas outras peças, não só no Centenário majestoso, como em casas de família. As filhas do Sr. Durval, principalmente dona Irani, tendo no sangue a paixão pelo belo, encenaram diversas peças. E seguindo seu exemplo, jovens também se atreviam. As minhas irmãs já citadas, Yolanda e Ínis, também adentraram nesse mundo tão lindo.

     

    Silvio Prisco, Guanais, Boanerges, Lucia Prisco, Waldir Ayres... Pessoas que marcaram nossas vidas mostrando seu lado cênico naquele palco maravilhoso. Sob a batuta de, salvo engano, Dona Dida Cerqueira, Lucinha abrilhantou, cercada pelos citados e mais outros, peças dramáticas ou hilárias como “Chica Boa”, “A Casa de Orates” e “O Louco da Aldeia”. Quando isso acontecia, todos saíamos das nossas casas e nos abancávamos na plateia daquele magnífico templo. E delirávamos! Chorávamos com os dramas ou gargalhávamos com as comédias. Esses jovens provaram que era possível ser artista no palco, mesmo a centenas de quilômetros dos grandes centros. E dando o melhor de si, nos levavam ao delírio! Sem escola especializada, sem “tablado”, sem recursos financeiros, eles provaram a todos que eram capazes sim, de fazer rir ou chorar, mostrando um talento maravilhoso! Assinaram seus nomes definitivamente nos palcos da nossa história! Dona Dida encenou mais peças e levou muitos jovens àquele palco. Talvez Branca de Neve, Marcelino Pão e Vinho e outras mais.

     

    Era a nossa cidade tão “pequenina e ilustre” mostrando ser a “Athenas do Sertão Baiano”! A cidade onde a cultura era a tônica. A que se sobressaia sobre todas as outras. E nosso peito se estufava de tanto orgulho! Sim, nos “anos dourados” Caetité brilhou como joia rara do sul da Chapada Diamantina! Era famosa pelo seu povo que valorizava o aprender e o saber.

     

    Como era sede do maior colégio da região e seus arredores, como emprestou suas salas de aula do Instituto de Educação Anísio Teixeira para jovens de várias cidades da Bahia se transformar em professores, a profissão mais procurada até então, a nossa pequenina “Vila Nova do Príncipe” investia na cultura e nas artes. E fez disso uma espécie de regra geral. Os “formandos” do IEAT necessitavam de dinheiro para realizar os eventos da conclusão do curso de magistério. Então inventavam a encenação de peças e recitais naquele teatro.

     

    Surgiu dai a ideia dos “Shows de Calouros”, tão em moda. E neles se revelaram verdadeiros talentos! Edna Prisco, Agna, Ivani e Basílio Neves, Nengo, Mário Gil, Venceslau Lélis e seu violino, Alfio Lélis, Valdineia e Zé Lessa dançando o “rock and roll”, “Os Fariseus”, Joseny Martha, “Os Tártaros”... E muitos outros. Perdoem a minha omissão, mas não posso citar todos por falha da “velhaca da memória”! 

     

    Aquele palco também recebeu peças de teatro das cidades próximas, a exemplo da gloriosa Rio de Contas, de Brumado, Caculé, Livramento... Parece-me, salvo equívoco, que a primeira vez que ouvi falar em Joraci Camargo e seu “Deus lhe Pague”, foi através de uma turma de Rio de Contas que nos levou à plateia na década de sessenta. Dentre outros cantores que alí deixaram sua marca, o nosso amado Waldick Soriano. E com ele o Sax de Saraiva, a cantora Rita Cezimbra e outros tantos.

     

    Nosso querido Nilton Kleber nos mostrou um estreante da Jovem Guarda que veio a gravar vários LPs, o “gatinho” Zé Roberto. Esse fez o coração das jovens acelerar! Também no TC conhecemos mágicos, balés, contadores de causos, comediantes, dançarinos do frevo e muitos outros.

     

    Ficou dali a saudade. Uma dor que machuca, magoa nosso coração. A vontade de que nunca houvessem derrubado aquele templo maravilhoso, que estivesse ainda de pé para mostrar às novas gerações a parte mais linda da nossa história cultural.

     

    Quando visito outras cidades antigas e vejo seus velhos teatros tão inteiros e conservados, sinto inveja do seu povo. Meu coração chora. Minha alma dói. Nasci numa época em que minha terra era princesa em todos os sentidos. Era pequenina, mas brilhava como a Estrela Vésper! Era referência na nobreza da sua gente, como tão bem o disse dona Emiliana Nogueira no nosso Hino.

     

    E ainda parodiando a querida mestra, desejo que nosso passado de glória, nossa linda história não sejam jamais esquecidos! Nossa cidade foi líder na cultura! Foi! Não é mais... infelizmente! Perdemos o pódio para outras que antes eram apenas nossa sombra. Mas temos ainda as lembranças de tudo que vivemos e fizemos acontecer. A minha geração, tenho certeza, não perdeu a memória e a leva, através de “causos”, para todos que hoje ai estão buscando fazer a sua própria história.

     

    Deixo-lhes meus escritos. É a forma que encontrei de me manter viva e, com minhas memórias, parte da história da cidade onde nasci e que sempre amei e hei de amar! Enquanto vida tiver neste corpo carnal, enquanto a mente e as mãos funcionarem, espalharei as coisas do meu passado para que não se percam. Semearei as informações que guardo nas pequeninas células cinzentas, para que todos que me lerem se encontrem nas frases e sentenças. E que conheçam ou rememorem a história comum da cidade que me emprestou o berço!

     

    Eu amo minha Caetité! Minha terra sertaneja e bela. Respeito o progresso necessário que se assenhorou das suas velhas ruas calçadas de pedras irregulares. Só lamento que as autoridades permitam que parte da sua linda história desapareça junto aos casarões centenários que tanto lhe emprestaram brilho! Mas repito: Se depender de mim suas memórias permanecerão vivas eternamente!

     

    Luzmar Oliveira – [email protected]  – WhatsApp: 71 – 99503115  e 87247161.

    http:// facebook.com/luzmar.oliveira1

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