• Caetité, pequenina e ilustre – Por Luzmar Oliveira

    04/03/2015 - 00:00


    CAETITÉ

    Meus vizinhos da Dois de Julho

     

    Meus pais tiveram uma origem humilde. O velho Tobias nasceu em uma fazenda próxima a Bom Jesus da Lapa, de nome Favelândia. Minha mãe, Ana Maria (ou dona Doninha), na Canabrava dos Caldeiras, distrito de Caetité. Começaram sua vida trabalhando na roça, puxando enxada, fazendo cercas, plantando sementes. Ele nos contava muitas histórias (talvez eu tenha herdado isso dele...). Certa feita foi com meu tio Antônio, seu irmão mais velho, seu concunhado Tio Zé Nobre e outros companheiros para São Paulo, a fim de trabalhar “de ganho” nas roças. Naqueles tempos, para chegarem lá, iam na carroceria de um caminhão (“Pau de arara”) até o norte de Minas Gerais onde saltavam e prosseguiam a pé até Pirapora, a fim de tomarem o trem para a terra dos bandeirantes. Para isso, atravessavam uma ponte sobre o Rio São Francisco, por onde passava a linha férrea. Tio Zé Nobre ficou para trás e, justamente quando estava no meio dela, surgiu a majestosa “Maria Fumaça”. Que suspense! Muito assustados, esperaram o pior... E eis que o trem atravessa e... Tcham! Tcham! Tcham! Tcham! Eles vêem o companheiro dependurado, segurando-se em um dormente. Correram em seu auxílio aliviados. E haja aventuras similares!

    Após muito suor derramado e depois de alguns anos morando de aluguel em Caetité, eles compram uma chácara na Dois de Julho, com um casarão com altas calçadas de pedra, que transformaram em um Hotel.

     

    Naqueles tempos hotel de interior era pensão, pois fornecia dormida e as três refeições. E alguns hóspedes, de tanto ficarem por ali, acabavam se transformando quase que em membros da família. Isso sem contar os estudantes que lá residiam.

     

    Aos poucos meu pai foi construindo casas ao longo da Dois de Julho e do Beco do Areão. E, de tempos em tempos, nos mudávamos para um imóvel novinho. Ele dizia que, se pudesse, quando a casa começasse a precisar de pintura pelo seu uso e desgaste natural, se mudaria para uma nova. E o fez algumas vezes, realizando seu sonho de moço pobre que conseguiu amealhar alguns recursos com o suor do próprio rosto. Meu admirável guerreiro e herói!

     

    Quando nos mudamos para a primeira casa nova, ele vendeu a velha para o Sr. Didi Lopes, pai de Cleide, Luiz e Cynthia, meus eternos amigos. Que convivência mais saudável: brincadeiras, brigas infantis, um dia “de mal” e no outro “de bem”... Cleide tem a minha idade e tamanho. Somos pequenas. Mas sempre foi muito prendada. Ficava admirada, pois eu nunca havia feito nada na cozinha, além de torrar o pão com manteiga na chapa do fogão. E ela sempre soube fazer tudo! Nos nossos cozinhadinhos, era a “chef”! E hoje brilha como dona de Buffet!

     

    Na casa em frente, a família do Sr. Gersino Azevedo. Uma casa branca, comprida e cheia de janelas, com enorme quintal sempre limpo e com árvores carregadinhas de frutas deliciosas. Ele era sapateiro e alfaiate. Ainda me lembro da sua máquina de costura manual, preta, com uma manivela para girar. E das formas de sapato (em madeira) e o famoso “pé de ferro”. Zilda, sua filha caçula, afilhada dos meus velhos, era muito amiga de todos nós e muito divertida. Aliás, toda a família era amiga. Saudades!

     

    Ao lado da casa do Sr. Gersino, a do Sr. Sadi Gumes e dona Lili. Ela tinha uma lojinha. Sr. Sadi, uma gráfica. Família tradicionalmente erudita, herdeiros do nosso glorioso João Antônio dos Santos Gumes. A casa desse último ficava no final da rua, à direita. Ali moravam suas filhas e era mais conhecida como “a casa de Dona Eponina”. Essa era uma senhora madura, branca, um pouco gorda e famosa pele seu vasto conhecimento. Professora do IEAT lecionava quase todas as disciplinas: Matemática, Português, Francês, Inglês, História (do Brasil ou Geral), ou qualquer outra que estivesse sem professor. Também era docente no Curso Primário, além de ministrar cursos de Admissão ao Ginásio, Segunda Época de qualquer matéria, reforço escolar etc.

     

    Em sua casa onde, além das irmãs, residiam sobrinhos, empregada e filhos da mesma, havia salões com janelas para a rua. No da direita funcionava uma gráfica operada pelo Sr. Sadi, que era herança do ilustre patriarca João Gumes. Ali foram impressos os primeiros jornais da região, sendo o mais famoso “A PENNA”. No da esquerda, estantes enormes tomavam toda uma parede: “Livros à mancheia...”

    “Oh! bendito o que semeia

    Livros, livros, à mancheia

    E manda o povo pensar...”

    ―Castro Alves

    Há muitas histórias a se contar sobre a grande mestra Eponina. Desde a professora, até a diretora de teatro... Um dia falaremos sobre ela. E ao lado da casa do Sr. Sadi, a família de dona Maria.

     

    Em frente à última casa construída pelo velho Tobias, morava Né Raizeiro, Janda e os filhos. Ele era comerciante de raízes, cascas de árvores e sementes usadas em laboratórios farmacêuticos. Costumava compra-las do povo da roça e espalhava-as pela calçada para tomar sol. Depois as ensacava, levando para os laboratórios em São Paulo. Seus filhos foram todos meus amigos e companheiros de brincadeiras. Crescemos juntos. Em 1978, quando meu pai sofreu um derrame que o castigou por 13 anos, foi Né quem o socorreu.

     

    Acima da casa de Né, o Centro Espírita Aristides Spínola, fundado pelo ilustre João Gumes e mantido pela família. Mais abaixo, “Padim” Déca Lopes, casado com Duquinha. E na última casa, a família do Sr. Luiz Bonfim. À esquerda da nossa casa morava a professora Azenaide, seus irmãos, Nelson e a sobrinha Tereza, que se casou com meu primo Néco.

     

    Também nessa rua residiam minhas irmãs Nice (Madrinha Nice), casada com João Teixeira (ou João de Tobias), sócio do meu pai na Bela Vista, depois na Campineira. Na casa ao lado, Professor Osvaldino e sua família, depois minha irmã Ínis, casada com Pame. Na seguinte, moraram Dácio e Marlene. Anos depois, dona Zelinda (Mãe Zé), com suas filhas Núbia (Tiabinha) e Zai (Isa). Foi nessa época que nossa amizade se intensificou. Jogávamos “buraco”, cantávamos nas noites de lua sentadas no meio fio, e éramos cúmplices nas brincadeiras e passeios. Eu e Isa chegamos a paquerar o mesmo rapaz! Como era divertido.

     

    Algumas estudantes se hospedavam em casa de Mãe Zé, dentre elas, uma que considero grande amiga até hoje, pois é pessoa muito especial. Também seu esposo e filhos moram em meu coração. Trata-se da minha querida Vera Periquito, ou Vera Neves, ou “Vera de Lely”. Adolescentes, estudantes, juntávamos nossos trocados e, muitas vezes, lanchávamos uma lata de salsicha com coca cola no bar de Zé Chaves, marido de Zizi, lá no Mulungu. Era a merenda mais gostosa do mundo!

     

    No meio da ladeira, próximo à Praça da Catedral, morava o Sr. Frederico, “dono” do Jenipapeiro que enfeitava e marcava nossa rua. Ao seu lado, a família do Sr. Políbio, pai de duas vozes de ouro: Basílio e Ivani. Na casa seguinte morou a família do Sr. Oswaldo Melo, depois a do Sr. Dudu. Abaixo, numa casa amarela, dona Loló tinha um pensionato e um armarinho. Ao lado, moraram a família do Sr. Everaldo (pai de Ni, minha amiga) e depois uma família de Igaporã. Mais tarde o Sr. Sinval Abreu e dona Aládia. Em frente, Ivan Cerqueira, depois Dr. Laerte, seguido do Sr. Zé Ladeia e, finalmente, o Sr. Bruno Silva. Mais abaixo, o Sr. Auto Gomes, dona Sebastiana e seus filhos. Família acolhedora, sempre nos recebia com muito carinho. E na esquina, o Sr. Landulfo e dona Albertina, avós dos meus amigos Sonia e Luiz.

     

    Na casa do Hotel moraram diversas famílias, dentre elas a do meu Tio Ananias, a de Arquimedes, a de Néco (meu primo), depois a casa foi vendida para o Sr. Leonor, que a revendeu para minha irmã Yolanda (Nenzinha) e meu cunhado Zé Pinheiro. Finalmente Dácio a comprou e reformou.

     

    Também não posso deixar de citar as “vendas”. A do Sr. Otacílio que ficava na esquina oposta à do Sr. Frederico. Havia também a do Sr. Auto Gomes e a do Sr. José Alves. Em minha casa, um mercadinho e um depósito da Bela Vista/Campineira.

     

    Hoje na casa dos meus pais funciona a Radio FM STAR, que tem seu estúdio exatamente no meu quarto! No lugar onde comecei a escrever e sonhar com meu nome impresso na capa de um livro. Onde uma máquina de escrever manual era o meu “piano de tocar poesias”. 

     

    A Rua Dois de Julho era, nos anos dourados, a entrada e saída de Caetité. Por ali passavam todos os carros. Todos os romeiros que iam visitar Senhora Santana. Carros de bois que iam para a feira velha ou que vendiam lenha. Era a minha rua. Onde cresci e fui muito feliz.

     

    Há muitas histórias para contar. Muitos “causos” que estão em nossa memória. Há a saudade, a lembrança de uma época em que éramos os jovens daquela cidade, mais conhecida como o maior centro cultural do sertão baiano.

     

    Qualquer dia falaremos sobre as peças de teatro, as cavalhadas do 2 de Julho, a Mourama, a Chegança... E muitas outras festas maravilhosas que nos marcaram e à história da nossa terra!

     

    Luzmar Oliveira – [email protected]  – WhatsApp: 71 – 99503115  e 87247161. http:// facebook.com/luzmar.oliveira1

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