• Caetité, pequenina e ilustre – Por Luzmar Oliveira

    23/11/2014 - 01:03


    CAETITÉ

    Um certo Jaime Wright (o pastor dos torturados)

     

    Vejo um bando de analfabetos políticos gritando, nas ruas dos Estados do sul do Brasil, palavras de ordem pedindo a volta da ditadura. São pessoas ignorantes, que nunca estudaram de fato a história dessa época de abusos aos Direitos Humanos no Brasil. Que não viveram essa fase ou, se o fizeram, estavam usufruindo as vantagens políticas e pecuniária da maldita ditadura militar.

     

    1964. 1º de abril (registrado, por conveniência e motivos óbvios, como 31 de março). Começa a fase negra da nossa história. A idade média se instala no Brasil. É ditadura militar, aquela que destruiu sonhos, lares, vidas! Famílias inteiras desaparecem. Jovens são atirados em porões, são torturados, queimados, violentados. Estuprados e currados. Pendurados nos tristemente famosos “paus de arara” onde recebem choques elétricos nas partes mais íntimas e sensíveis do corpo. Retinas queimadas por fortes lanternas. Unhas arrancadas por alicates. Dedos cortados por lâminas afiadas de tesouras de podas. Fome. Sede. Rodas de torturas. Mortes. E os que conseguem sobreviver, saem traumatizados, doentes, machucados na alma e no corpo. Humilhados. Loucos. Neuróticos. Uns poucos conseguem superar as dores e voltam à vida normal. 

     

    Milhares de brasileiros fogem para outros países. É o exílio involuntário. É a saudade da pátria, do doce lar. Universitários que abandonam seu sonho. Mães que veem seus filhos desterrados. Lares de luto.

     

    Milhares de brasileiros são mortos e jogados em valas. Um verdadeiro genocídio. Holocausto. Pouco importa o nome fatídico. Mortos pela tortura ou pelo pelotão de fuzilamento. Mortos porque ousaram sonhar com a volta do Brasil livre e soberano. Mortos pela sede de poder ditatorial de um bando de “Hitlers endemoniados” que queriam, a qualquer custo, ser obedecidos e respeitados. Uns pobres diabos que, na sua sede de poder, derramaram rios de sangue e, assim, compraram sua passagem e estadia eterna para o vale das sombras.

     

    Nada mais vergonhoso para um País que ter seus filhos tratados daquela forma. Nada mais triste para um povo pacífico, tranqüilo e hospitaleiro. E essa época deixa no Brasil uma marca nodosa que marcou gerações inteiras. Caetité: localizada a 754 km de Salvador, essa cidade do sertão produtivo baiano também experimentou as consequências dessa tragédia. Pouco, mas sofreu.

     

    Por volta do ano em que a ditadura foi implantada, aparece em Caetité “um tal de Jaime Wright” e sua família. Nascido em Curitiba, Paraná em 1927, onde estudou até o ensino médio e serviu voluntariamente o Exército Brasileiro, decide concluir o curso superior e pós-graduação nos Estados Unidos. Pastor Presbiteriano, jornalista, educador, administrador, volta ao Brasil e vem se instalar justamente em Caetité, na década de sessenta.

     

    Começa a ditadura militar no Brasil. Jaime começa então uma luta tremenda pelos Direitos Humanos, Justiça Social, defesa dos presos políticos e dos também perseguidos por causa idêntica.

     

    Apresenta inúmeras denuncias contra a corrupção fiscal na Bahia e promove a I Mesa Redonda Distrital das Lojas Maçônicas: "a maçonaria não pode nem deve ficar indiferente diante da transgressão contínua dos direitos humanos em nossa sociedade, visto que o silêncio seria não somente uma conivência com as injustiças praticadas como também uma traição vergonhosa do nosso glorioso passado de intransigente combate a tudo o que avilta o homem".

     

    De Caetité, foi transferido para São Paulo onde, sob o pseudônimo de “Roberto Barbosa”, continuar a escrever artigos denunciando a violação dos Direitos Humanos no Brasil da famigerada ditadura militar.

     

    Seu irmão, Paulo Wright, deputado estadual cassado de Santa Catarina, também guerreiro dos Direitos Humanos, militante de esquerda, é tragado pelos porões da sangrenta ditadura militar.

     

    Jaime Wright reúne grande número de documentos sobre as torturas e assassinatos praticados pela ditadura em nome do Estado e alia-se, secretamente, a Dom Paulo Evaristo Arns, Cardeal Arcebispo de São Paulo, e ao Rabino Henry Sobel, dando origem, em 1985, ao livro BRASIL – NUNCA MAIS. Ali estavam expostos, sem vendas ou disfarces, a tortura e os torturadores que imperaram na fase mais triste da nossa história.

     

    Eles pesquisaram longamente mais de 700 processos, listaram mais de 1.800 casos de tortura e descobriram que centenas de pessoas desapareceram nesse período, de 64 a 79. Dom Paulo Evaristo entregou essa lista a Jimmy Carter, pessoalmente.

     

    Esse homem, esse pastor que participou da fundação da FENIP, núcleo que deu origem à atual Igreja Presbiteriana Unida do Brasil, foi um dos heróis da contra ditadura. Um homem que repudiou as barbáries daquela época. Um dos maiores defensores dos Direitos Humanos da nossa história. Um dos que mais lutaram pelo fim das torturas e torturadores.

     

    Sua passagem por Caetité deixou marcas. E em mim também. Em 1967, adolescente, concluía o Curso Normal. E, durante o culto da formatura, na sua igreja, ele emprestou-me um fio da sua luz em uma palestra da qual jamais me esqueci, tão sábias e maravilhosas foram as suas palavras.

     

    E é em nome desse e de todos os outros guerreiros que lutaram pela libertação do meu Brasil das mãos dos ditadores militares, dos torturadores, dos vilipendiadores, daqueles que ceifaram tantas e tantas vidas, aleijaram, deformaram corpos e mentes, cegaram olhos, arrancaram unhas e dedos, estupraram, deram choques elétricos nas partes íntimas, colocaram nos “paus de arara”, cegaram, atiraram corpos nas valas... e fizeram outros tantos se exilarem... que impuseram “toques de recolher”, que mataram, assassinaram jovens sem a menor piedade... eu lhes peço: NÃO ACEITEM A DITADURA! DITADURA NUNCA MAIS!

     

    Luzmar Oliveira – [email protected] – WhatsApp: 71-99503115

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